Daquilo que inexiste mas existe vertiginosamente
O tempo passou, gritou a menina. O tempo passou como lápide que apodrece, como tempestade que se cessa, o tempo passou e não adianta fingir que não aconteceu. O tempo passou, rugindo, engolindo todas as possibilidades de sonhos planejados, ruindo, esmorecendo tudo aquilo que pretendia-se construir, sorrateiramente. O tempo uivou, uivou forte, estremeceu, se fez visto e falado, o tempo não perdoou. Gritou novamente, o tempo não perdoou.
O tempo não polpou, não se permitiu, o tempo passou. Das brincadeiras sinceras, das mágoas latentes, das raivas implícitas, das mais variadas surpresas desagradáveis, do vazio dos acontecimentos desesperadamente esperados, o tempo se encarregou de tomar providência, de se tornar altivamente capaz de deles se responsabilizar. O tempo passou, menina. O tempo passou e não avisou que passaria, ele simplesmente foi, divergente, convergente, apenas foi.
E foi em um indo crescente, desconexo, impiedoso. O tempo foi por se assim dizer, o tempo foi para não se dizer, o tempo foi para se calar, o tempo foi para se contemplar. O tempo foi, e com ele foram os sonhos perdidos de uma noite fria de desejos, de falsos impulsos, de inconsequências irremediáveis. O tempo passou, gritou a menina. Somos incapazes agora, estamos fatigados, negados e exaustos. O tempo não só deu conta de mim, como deu conta daquilo que dentro de mim desconhecia. O tempo não se proibiu, o tempo rugiu.
Não posso acreditar, o marasmo do tempo corrido já é o próprio tempo olhando para trás, em sua profunda expectativa inútil de voltar, de reconstruir e de permitir um novo começo. O tempo passou, meu querido tempo. O tempo passou pra você também, tempo desgovernado, inflexível. O tempo não parou nem para você, o próprio tempo dentro da própria incapacidade de ser tempo. O tempo passou menina, o tempo passou.