Faça-me tu (,) poema.

E de repente, me vem o sufoco.
O esgotamento mental e intensamente sentimental,
um exaurimento oco e frustrado,
de profundas sensatezes de nada, do nada, para o nada.

Não, não se trata do fim,
O fim é autenticamente ignóbil
é pretensão absurda
é ilusão subjugada.

Trata-se do impassível, do ilógico
do inflexível. Trata-se do estupro,
mais que violento de desejos e
esperanças surripiadas.

Trata-se do incêndio circense
que se cessa, mesmo que as cinzas continuem
a olhar, me olhar, apenas olhar,
como cúmplices de uma dor de ordem inteiramente
e egoistamente minha. Própria.

É o se reconhecer calabouço
de si mesmo, é descobrir que o estuprador
sois eu mesmo, vítima e bandido,
vítima por de mim sofrer veres inúteis
e de viciado ser por vazias intenções
já há tempos extintas.

Bandido por exigir, por austeramente
me vilipendiar e me condicionar
às infernais dores por mim
compradas quase que gratuitamente.

Caráter de devaneio.
É o prender-se e livre ser
É o binômio que acalenta
a beleza do poema que inútil já o é.
É frustração saborosa, é saber que o saber
já nem se sabe mais.
É perder o foco e se permitir rir
de si mesmo, por ser eu o único cínico de si mesmo
único palhaço que o fogo polpou.
Não por milagre,
mas por castigo sensato e merecidamente
justo.

Já não sonoro queres ser poema,
porque bruto queres permanecer estar.
Ó que indelicadeza, de mim poeta!
porque bruto só consegues permanecer estar.
Brinco com minha tempestade
fictícia, que jorram conceitos absurdos,
mas que ferem, esquartejam,
me incriminam.

Pares! Pares eu mesmo, para que
te possa ir, pois sou eu que te prendo
agarrado a mim,
que não quero te soltar,
porque tenho medo
medo de esmorecer.
De me queimar com as minhas
próprias fragilidades de
ser amado querer ser.

Não busco verdades, ó insensato
vocativo impessoal, meu penhasco ecoar
meu imenso mar de desconhecido
Pois já não me bastas mais como
uma vez, mentirosamente
já me bastou.
Fútil, exclamo, sem saber,
ao certo, ao que adjetivo.

Fútil sei que o és, ausente sujeito
pois ainda me encantas pelo que criei
pelo que de você tornei.
És, portanto, e estranho, és livre.
Liberto-te mim de mim
liberto-te de nós, o falso nós.
Eu que devo te libertar,
mas é tão nebuloso,
pois impotente sois.

Que me faço? Que me faço?
Faço-me te, pois já não há caminhos.
Não há semântica.
Não há literatura, não há filosofia.
Há apenas eu e o você meu, e o escuro.
Faça-me você.

Já que não sou eu essa expectativa que de mim veio ?
Tu sois minhas expectativas. Tu sois eu mesmo.
Você é obra minha. E eu sou teu.
Ai! Assim, confunde-me!

Ás vezes, passo a acreditar, que
é isso que me restas, discursos,
sistemáticas, poéticas.
Ora será esse aquele fim que de inicio neguei ?
Já não o sei mais.
Saber, sabes, sábio.
Brinco, e minto, me minto sorrindo,
pois são essas palavras que me dão
sua textura, sua cor,
seu beijo, seu fálico,
seu arfar.
Palavras vilãs, que tanto apreço vos tenho!
Me manténs vivo, ou morto, já tanto faz!

E no fim, que já não se trata do fim antes dito,
vejo que preso não estou, nunca estive.
És aí que cabes tu, palavra fútil.
Ou somente fútil.
Não emerges sentido, pois sentido quem lhos dá
sois eu, meus anseios e essa esferográfica.

Tu já me esqueceu, disso eu sei,
não sou cego por completo.
E essa frase, nessa frase,
uni-se as palavras que de mim soerguem,
as mais vilãs,
as mais malvadas,
e as mais que, por mim,
injustiçadas foram.

Sabes? Não quero desapego
Nem apego.
Quero o des,
quero o a,
quero o pêgo.
Quero-os pra mim!
Pois fútil vos sois
te recorda?
Sem sentidos sempre foi,
te sente?

Assassinado palavras por palavras,
de te me esqueço,
te jogo às minhas lembranças,
donde me atormentas tanto.
Apenas balbucio
minha febril e ardilosa escrita,
já que dela posso ser,
posso ter,
posso te ser,
te des,
te a,
te pêgo.

Ó caprichos, por que me confundes tanto?
Bagunça, bagunça, guerra.
Tu és guerra em mim,
ou sou eu guerra em ti, hipotética obra prima.
O silêncio quer me calar, poema!
Ou és tu poetas de mim ?
Ou melhor, és tu, poema, que me criou,
que te criou, que nos destruiu,
que nos criou,
que nos tantos verbos que aqui possam caber posso pôr.
Já nem me importo.

Tu um dia se tornarás
monossílabas que pesadas são, não é ?
Tu um dia se tornarás
poeta do meu poema
e eu o leitor, a crítica,
a platéia.
Nem sei que autor já o és.
Poema órfão, poema de dois pais.
És tu um poema de verdade?

Ó! Tu, um dia, meu amor, pois primeira vez
que aqui o chamo,
se tornarás esquecimento?
Se tornarás recordação pacífica
ou memórias de que uma vez vivo já fui ?

Pois agora sois perguntas.
Ou interjeições, ou quiza patavinas.
Sois tanto faz, pois o importante,
é que sois o é. Percebes?
Sois o és.
Letras soltas, postas,
perdidas.
Não, fútil nunca fostes.
Nem tu poema, ó crime que cometi!
És parte do meu crime, como ele o és também.

Ou não, crime nem seja.
Essa visão romântica,
comprada,
mitigada e irrefutada.
E agora, já perco os pés
das próximas palavras,
pois confuso estou, não é mesmo?
Tenho medo, poema,
medo de tu, poema,
de um dia, poema,
por fim,
poema,
eu vir a te terminar.





Daquilo que inexiste mas existe vertiginosamente

O tempo passou, gritou a menina. O tempo passou como lápide que apodrece, como tempestade que se cessa, o tempo passou e não adianta fingir que não aconteceu. O tempo passou, rugindo, engolindo todas as possibilidades de sonhos planejados, ruindo, esmorecendo tudo aquilo que pretendia-se construir, sorrateiramente. O tempo uivou, uivou forte, estremeceu, se fez visto e falado, o tempo não perdoou. Gritou novamente, o tempo não perdoou.


O tempo não polpou, não se permitiu, o tempo passou. Das brincadeiras sinceras, das mágoas latentes, das raivas implícitas, das mais variadas surpresas desagradáveis, do vazio dos acontecimentos desesperadamente esperados, o tempo se encarregou de tomar providência, de se tornar altivamente capaz de deles se responsabilizar. O tempo passou, menina. O tempo passou e não avisou que passaria, ele simplesmente foi, divergente, convergente, apenas foi.

E foi em um indo crescente, desconexo, impiedoso. O tempo foi por se assim dizer, o tempo foi para não se dizer, o tempo foi para se calar, o tempo foi para se contemplar. O tempo foi, e com ele foram os sonhos perdidos de uma noite fria de desejos, de falsos impulsos, de inconsequências irremediáveis. O tempo passou, gritou a menina. Somos incapazes agora, estamos fatigados, negados e exaustos. O tempo não só deu conta de mim, como deu conta daquilo que dentro de mim desconhecia. O tempo não se proibiu, o tempo rugiu.

Não posso acreditar, o marasmo do tempo corrido já é o próprio tempo olhando para trás, em sua profunda expectativa inútil de voltar, de reconstruir e de permitir um novo começo. O tempo passou, meu querido tempo. O tempo passou pra você também, tempo desgovernado, inflexível. O tempo não parou nem para você, o próprio tempo dentro da própria incapacidade de ser tempo. O tempo passou menina, o tempo passou.

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